segunda-feira, janeiro 09, 2012

Um salão de belezas

O cenário é o centro caótico de São Paulo, onde o cheiro urina se acumula sob os cantos de ruas e calçadas lotadas de gente e lixo. As pessoas trafegam apressadas sobre seus pés e veículos, desumanizados descansam seus corpos em meio às pisadas rápidas daqueles chauvinistas que ignoram sua presença, daqueles que, com asco, aceleram seu ritmo frenético com a proximidade daquele ser desgostoso, daqueles que riem das "loucuras" destes seres asquerosos, daqueles que não admitem humanidade nos atos deste ser "louco".
Sob o efeito de drogas lícitas ou ilícitas, drogado por sua insanidade ou insano por sua vaidade, seja lá qual for a justificativa, o maltrapilho se alheia ao que lhe cerca e se cuida, só, de sua aparência. Com uma tesoura nas mãos, jogado no chão fétido e olhando para o chão como se tivesse algum objeto reflexivo atirado à sua frente, o indivíduo apara suas duras madeixas. Com a dificuldade de quem não enxerga o trabalho que faz, ele se contorce entre cada duas tesouradas. Observado por aqueles que ali transitam, ele segue seu empenho sem ouvir os comentários daquilo que faz. Sua dificuldade caminha pelas curvas de sua cabeça, pelas orelhas que se interpõem ao fio da lâmina e o fio de seu cabelo e, agora, pelas falhas que surgem em suas têmporas.
Totalmente adverso àquela situação, um sujeito maltrapilho bem vestido se aproxima e oferece, junto a suas mãos, seus olhos. Como um profissional em seu salão, cadeira e espelho, ele assume as tesouras e passa a cortar os cabelos de seu primeiro cliente. "Como vamos cortar hoje, meu amigo?" "Incline-se um pouco, senhor." "Só mais um pouquinho, senhor." " Aí está! Voilá!" E o mais novo cabeleireiro, profissionalmente, sugere ao cliente lavar os cabelos para retirar o excesso de pêlos. Satisfeito, o cliente se levanta, veste sua suja camiseta, deixa como pagamento a mais nova ferramenta do mais novo profissional da praça e observa a arte que orna sua fronte em uma vidraça qualquer, ou melhor, no espelho deste salão imaginário que dois seres esquecidos criaram para se tornarem um pouco humanos.
Ao final, apenas tufos permanecem, traídos, para voar pelas pisadas, ao lixo, à urina.

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